segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

PODÃO

Pelo buraco do barraco, pau-barro-sala-quarto do Jardim Anhangüera, seu Podão vê a cana queimar a noite e lavar o céu. Amanhã trabalho em dobro, chuva janeiro veraneia, vem na veia, sol vermelho de dia derruba a noite e qualquer mato destelha. Corta a barba com a navalha. Torce para que aquela chuva caia e apague o vermelho tempestade da caldeira do canavial. Chuva veio há muito. Despencasse um torrão d’água como de março dezanoatráis, barraco na lama e mais um ano de trabalho, hibernado.
O dia não passou pelo buraco e seu Podão sem dormir levanta sem café sem pão e vôa pra charanga destelhada da Usina Santa Lídia álcool e açúcar álcool e açucar álcool e açucar álcool e açúcar álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool, a charanga vai, álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool álcool a charanga arreia.

Seu Podão pega, estica, corta, bate, junta, sem café sem pão, chupa.
Descansa sol a pino.
Seu Podão pega, estica, corta, bate, junta, sem café sem pão, chupa.
Arremessa sol acima.
Seu Podão pega, estica, corta, bate, junta, bucho cheio, garapão.
Fermenta sol batido.
Seu Podão pega, sua, molha, estica, recorta, rebate, espalha; encalha.
Fogo novo sol no chão.

Seu Podão vôa e volta. Cruza a estrada. Barba branca, corpo negro empoeirado, serra a barba com a navalha. Pelo buraco do barraco, seu Podão vê a chuva embaçar a cana, atravessar a estrada e bater em seu telhado. Da noite a madrugada, a água poda seu barro. Seu Podão cruza a estrada pro o outro lado. Na gema doutro mato, reimagina seu espaço.
Pelo arco do mato, sem sala, sem quarto, sem barro, seu Podão vê a máquina decepeira, colheitadeira, corta o feixe, rápido, mais-rápido, potência 1000 homens, 300 cilindros, 1600 cavalos, corta-bate-junta-espreme, corta-bate-junta-espreme, corta-bate-junta-espreme, faz bagaço seu trabalho.
Por aquela rodovia,
um dia,
bandeira passou,
duplicou-se,
uma pista pro futuro, outra pro passado.
Um vai outro vem.
Sob o solo pavimentado,
um dia, uma estrada-barro,
um rio de açúcar.
Hoje homem combustão, carne combustível,
volátil.

Nenhum comentário: